O Conselho de Comunicação Social (CCS) está finalizando, e deve entregar nos próximos dias, um estudo sobre a liberdade de imprensa no Brasil. Durante a discussão realizada nesta segunda-feira, 4, o texto assinado pelo presidente do CCS, Murillo de Aragão, para o documento, causou polêmica. Isto porque o texto de Aragão aponta “hegemonia esquerdista” nas redações dos veículos de comunicação do país, como, pelo entendimento dele, um dos fatores que historicamente comprometeram uma abordagem mais ampla dos temas públicos.
Ele se despediu hoje da presidência do Conselho, em nota no twitter dele: “Missão cumprida. Encerro meu mandato como presidente do Conselho de Comunicação Social do Congresso Nacional após quatro anos de atuação a favor da liberdade de expressão.”
A abordagem de Aragão foi contestada pela presidente da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), Maria José Braga, e pelo também jornalista Davi Emerich. Para Maria José, a linha editorial de todos os veículos de comunicação brasileiros “são dadas pelos donos, pelos empresários que controlam os meios”. Emerich apontou, entre outros fatores, que a cobertura dos temas econômicos é “monocórdica”, priorizando sempre os interesses dos bancos e do mercado financeiro como um todo, o que soma com a apresentação de Maria José Braga.
Estudo da UFSC
Para se contrapor à tese de Aragão, Braga ainda citou o estudo “Perfil do Jornalista Brasileiro” (que pode ser lido aqui), uma parceria da Fenaj com a Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). “Esta pesquisa mostra que o jornalista se identifica como “progressista”. Mas esta mesma pesquisa mostra que ele não milita nem em igreja. Não milita em lugar nenhum, nem em sindicatos ou outras associações. O produto jornalístico veiculado no Brasil mostra que o esquerdismo passa longe. Nas coberturas das reformas trabalhista (lei 13.467) ou da Previdência (PEC 6/2019), por exemplo, as reportagens nos veículos privados praticamente só ouviam pessoas a favor. Se o esquerdismo predominasse, não seria assim”, observou a representante da Federação dos Jornalistas.
Emerich ainda acrescentou que os cursos de Comunicação Social no país seguem mais as abordagens quantitativas consagradas nos EUA do que qualquer outra abordagem de viés marxista. A teoria jornalística aplicada nas faculdades do Brasil tem inspiração no jornalismo praticado nos EUA. Emirich ainda considera ruim que o suposto “esquerdismo” das redações brasileiras seja alegado num momento em que o governo brasileiro — na sua avaliação, de “extrema direita” — taxa como “comunista” qualquer manifestação divergente.
A resposta de Aragão
Na resposta a Braga e Emerich, o presidente do CCS disse ter feito uma abordagem histórica calcada no pluralismo. E que quando fala em esquerdismo, refere-se mais à linha norte-americana, do “liberal de esquerda”, que a seu ver também predomina na mídia dos EUA. “Querer negar que as redações brasileiras são influenciadas pelo esquerdismo desde a década de 1930 não é nem querer tapar o sol com a peneira, é não querer reconhecer o sol. Assis Chateaubriand [fundador dos Diários Associados], por exemplo, sempre disse que “não se faz jornal neste país sem comunistas”. Roberto Marinho [fundador do Grupo Globo], quando foi pressionado pelo regime militar sobre “infiltração esquerdista”, disse: “cuidem dos seus comunistas que eu cuido dos meus”. Na década de 1980, as redações eram decoradas com estrelas vermelhas e posteres do Che Guevara. E recentemente Sérgio D’avila [diretor do Grupo Folha] confirmou que as redações no Brasil são formadas por uma elite intelectual de jovens progressistas de esquerda. Qual será o problema em reconhecer isto?”, indagou Aragão.
O presidente do CCS garantiu que ser esquerdista não é um problema, desde que isso não interfira nas coberturas a ponto de comprometer abordagens amplamente pluralistas. Também considerou “estranho” que outros problemas apontados no seu texto não tenham chamado a mesma atenção. “Também falo do poder das verbas públicas mediando o noticiário, visando conter prejuízos políticos. Critico o viés sensacionalista que muitas vezes predomina na cobertura política, que explora paixões primárias na opinião pública. Isto se deu, por exemplo, na cobertura da Operação Lava Jato. E ainda critico a ausência de instrumentos de financiamento para estimular a liberdade de imprensa e, no fundo, lamento a precariedade do hábito de leitura neste país”, disse Aragão.
O estudo sobre o estado atual da liberdade de imprensa no Brasil atende a um pedido da senadora Eliziane Gama (Cidadania/MA). O documento ainda conta com contribuições de entidades patronais e análises enviadas por diretores de diversos veículos. A intenção do CCS é entregá-lo oficialmente ainda durante esta semana à senadora e ao presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM/AP).
Fonte: Agência Senado
Foto: Jane de Araújo/Agência Senado