A Medida Provisória 850, de 10 de setembro de 2018, que institui a Agência Brasileira de Museus-ABRAM e, logo menos, extinguirá o Instituto Brasileiro de Museus-IBRAM, como sabemos todos nós que vivenciamos o campo museal brasileiro, é nada mais que o resultado de um processo que já poderíamos prever desde que o já reconhecido “golpe político-jurídico-midiático” se consolidou na realidade política brasileira. Desde aquele maio de 2016, assistimos, entre atônitos e estupefatos, ao espetáculo sórdido da instrumentalização de órgãos, secretarias, ministérios, cargos públicos etc., de todas as instâncias passíveis de serem ocupadas pelos grupos políticos que chegaram ao poder através da deposição da presidenta Dilma Roussef, eleita em outubro de 2014.
Depois do grande circo de horrores que foi a votação na Câmara dos Deputados que deu início ao processo de impeachment, iniciaram as substituições, exonerações, afastamentos, criação de cargos, secretárias e ministérios convenientes, assim como a extinção ou junção daqueles que não mais interessavam aos grupos golpistas que chegaram ao poder. A divisão de cargos públicos em diferentes instâncias da UNIÃO por parte dos setores apoiadores do Golpe, serviu como “moeda de troca” e explicitou uma descarada troca de favores por votos nos diversos processos (políticos e jurídicos) que seguiram-se por 2016, 2017 e 2018. Estes fatos exibiram como nunca havíamos visto antes – pela TV e redes sociais – o teatro legislativo que nos evidenciou como funciona a política partidária no Brasil: sórdida, mesquinha, vulgar, suja e violenta. Como se nada houvesse mudado, da colônia à república: continuavam-se escravocratas, aristocratas, elitistas, exibindo um premente fascismo sem desfarçatez.
A extinção do MinC, impedida por conta da efetiva, poderosa e fulminante mobilização da classe artística brasileira – resultou na supressão da medida. No entanto, as ocupações das centenas de universidades e escolas ocorridas no segundo semestre de 2016 não impediram que os cortes e congelamento de gastos públicos nos setores de Educação e Saúde no Brasil fossem revogados.
Afinal, a intenção, todo mundo já sabia qual era desde o início: sucatear o Estado, deixando-o mais precário do que sempre foi e é, tirando-lhe as condições mínimas para seu funcionamento, para justificar a sua posterior privatização. Feito o jogo sujo pelos lacaios do mercado, entrariam em cena os “salvadores da pátria”: investidores, comerciantes e empresários, para os quais não há limites em seu desejo inexorável de lucrar (principalmente nos “serviços” básicos e essenciais, dos quais todos tanto precisamos), mesmo que, ou especialmente quando, isso signifique tornar mercadoria aquele bem que temos de mais precioso: a vida.
Sendo assim, na mira dos megainvestidores deste capitalismo internacionalizado – que tem em seus congêneres nacionais defensores incondicionais na entrega do valioso que é nosso – entra tudo que é recurso natural: o petróleo, as reservas de água, as florestas, os minerais, etc.; e tudo quanto for possível vendê-los à “preço de banana” será pouco frente ao que querem, sempre mais, nossos recursos humanos, nossas consciências: nosso tempo, nossa força, nosso trabalho, nossa inteligência, nossa “cultura”, nossa educação, nossa saúde.
Estamos em fogo cruzado, à beira destas eleições.
Nunca aquela metáfora do “primeiro, arrancaram uma flor do meu jardim e eu não disse nada”, fez tanto sentido…
O fato é que a criação da já nascente famigerada ABRAM, por um governo ilegítimo que em seus últimos suspiros objetiva provocar o caos, anuncia aquilo que já prenunciávamos: a mercantilização do setor museológico federal brasileiro e o fim das políticas públicas museais; a extinção do IBRAM e da Política Nacional de Museus – que, se não é perfeita, foi a que construímos a muitas mãos, cabeças de sonhos pensantes com melhores futuros possíveis para nossas memórias e culturas. Isso tudo, covardemente feito logo após o criminoso incêndio que destruiu o Museu Nacional – luto que vai demorar a passar – e que está sendo usado de maneira vil para justificar a necessidade de investimento no setor museológico nacional: como se investir fosse sinônimo incondicional de privatizar.
Há pouco mais de um mês estivemos no Rio de Janeiro para um seminário “200 anos de museus no Brasil: desafios e perspectivas”, que reuniu gestores, profissionais, pesquisadores, estudantes e interessados na área museológica. O diretor do Museu Nacional lá estava, extremamente preocupado, porém esperançoso: vislumbravam um terreno pertinho do museu para a construção de um anexo. Exibia os cruéis e assustadores números que nos mostravam a redução de gastos de manutenção com a instituição: míseros R$ 54.000,00 para o ano de 2018. Foi feita uma moção de apoio ao Museu Nacional pelos participantes. Cerca de um mês depois, não poderíamos ganhar um presente mais sintomático para os tempos em que vivemos. Ali eu disse, em ao alto e bom som, numa intervenção na plenária final: é hora de nos reorganizarmos, setor museal da sociedade civil, para além do Estado…
Eis que chegou a vez do IBRAM!!
E, como na velha historinha do jardim, logo chegará a sua vez…
O futuro dos museus e da memória está em nossas mãos.
Que fazer, então? #OCUPARMUSEUS!
Criar urgentemente uma ampla frente nacional contra o desmonte do setor museológico, dos municípios aos estados, que reúna profissionais, gestores, redes de memória e patrimônio, cidadãos e cidadãs comuns e todxs aqueles que sonham com um futuro digno para o nosso passado.
Em memória das nossas futuras gerações!
Alexandre Gomes
11 de setembro de 2018
Olinda/PE
(Alexandre Gomes é historiador/antropólogo e indigenista, professor do Departamento de Antropologia e Museologia da Universidade Federal de Pernambuco/UFPE, em Recife.)
Foto: Sebastião Salgado
1 comentário
Não pode acabar com ABRAM, estamos juntos para garantir a vida dos Museus Brasileiro.