Maria da Luz era seu nome. Nasceu iluminada, dizia, orgulhoso, seu pai, um marceneiro de mão cheia. Maria da Luz viveu uma infância normal no mesmo bairro onde nasceu pelas mãos da parteira Isabel, uma descendente de terceira geração de escravizados. Ali brincou de casinha, fez um jardim, ajudou a mãe numa horta caseira, iniciou sua adolescência.Maria da Luz namorou pela primeira vez aos 15 anos e fez sexo somente aos 17. Se tornou adulta, casou e teve três filhos, para os quais se dedicava com perfeição. Nunca foi empregada, pois seu marido não permitia: quem mantém a casa é o homem. Mulher cuida da casa e dos filhos.
Assim a vida foi passando. A maturidade chegou sem Maria da Luz se dá conta. Seu mundo era ali naquele mesmo bairro onde nasceu e hoje conseguira construir sua casa no quintal da sua família, lá nos fundos, debaixo de um biribazeiro. Seus filhos, duas meninas e um garoto, também seguiam seus passos, aparentemente felizes. Seu pai já falecera, mas ela ainda lembra das suas palavras: nasceu iluminada.
Agora, já velha, com os filhos criados, donos de suas próprias vidas, Maria da Luz sentada na cadeira de balanço fica a pensar na vida. Lembra de cada momento, mas são lembranças curtas, pois curta foi sua vida. Se angustia por ter vivido tão pouco, sem aquela luz que seu nome trazia. O tempo passou rápido e a vida foi se esvaindo como água entre os dedos.
Maria da Luz olha para suas vizinhas e vê a mesma vida. Umas ainda pior, outras, iguais. Poderia a vida ter sido diferente? reflete. Teria outra vida além desse caminho reto ? Não sabe dizer. Seu mundo foi pequeno demais para descobrir.
Foto: Estele Kim/GGN