A decisão do presidente da República, Jair Bolsonaro, de assinar um decreto (9.685/19), que flexibilizou as exigências para a posse legal de armas de fogo de uso permitido, facilitando a compra e a posse de armas no País, dividiu opiniões na Câmara dos Deputados. O Partido Comunista do Brasil (PCdoB) ajuizou Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI 6058) no Supremo Tribunal Federal (STF) para questionar dispositivos do decreto presidencial . Segundo o partido, o chefe do Poder Executivo extrapolou de sua competência e invadiu reserva legal destinada ao Congresso Nacional para editar norma sobre o tema.
Para a legenda, o presidente da República, com o apoio dos ministros da Justiça e da Defesa, usou o decreto para usurpar atribuições do Poder Legislativo, uma vez que a norma traz inovações que não representam a regulamentação de dispositivos da Lei 10.826/03 (Estatuto do Desarmamento). “Trata-se de normas que inovam o conteúdo normativo contido na Lei 10.826/2003, que somente o Poder Legislativo, por deliberação de suas duas Casas – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal – podem adotar”, salienta o PCdoB. Ao presidente da República caberia, de acordo com a artigo 84, inciso III, da Constituição Federal, iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos no próprio texto constitucional, explica a legenda.
O que diz a Constituição Federal:
Seção II
Das Atribuições do Presidente da República
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:
(…)
III – iniciar o processo legislativo, na forma e nos casos previstos nesta Constituição;
Trâmite da ADI do PCdoB no STF
O vice-presidente do STF, ministro Luiz Fux, no exercício da Presidência da Corte, encaminhou ao relator da ADI 6058, ministro Celso de Mello, o pedido do PCdoB de concessão de liminar para suspender os efeitos de dispositivos do Decreto 9.685/2019.
O ministro Luiz Fux avaliou que o caso não se enquadra à hipótese excepcional do artigo 13, inciso VIII, do Regimento Interno do STF, o qual prevê que cabe ao presidente do Tribunal decidir questões urgentes no recesso. Assim, o decano da Corte, ministro Celso de Mello, irá analisar a solicitação da legenda a partir de 1º de fevereiro, quando será iniciado o Ano Judiciário.
O que diz o Regimento Interno do STF:
Art. 13. São atribuições do Presidente:
(…)
VIII – decidir questões urgentes nos períodos de recesso ou de férias; (Redação dada pela Emenda Regimental n. 26, de 22 de outubro de 2008)
Defesa do Decreto
Para o presidente Bolsonaro, o decreto elimina um dos principais entraves previstos na legislação (Decreto 5.123/04) para a compra de armas de fogo de uso permitido. O texto retira da Polícia Federal – órgão responsável pela emissão dos registros – a possibilidade de discordar da “declaração de efetiva necessidade” apresentada pelo interessado. “O grande problema que tínhamos na lei é a comprovação da efetiva necessidade, isso beirava a subjetividade”, disse Bolsonaro, durante a cerimônia de assinatura do decreto.
Líder do DEM, o deputado Elmar Nascimento (BA) concorda que a medida reduz a subjetividade do processo. “É importante que tenhamos critérios objetivos no trâmite da posse de armas, para evitar riscos e injustiças, e realmente a medida beneficiar o cidadão comum”, manifestou-se o parlamentar, em nota divulgada no site do partido.
O líder do PT na Câmara, deputado Paulo Pimenta (RS), anunciou que o partido vai questionar a medida no STF, por meio de uma ADI, que seria protocolada até esta sexta-feira. Pimenta disse ainda que apresentará em fevereiro à Câmara um projeto de decreto legislativo (PDC) com o objetivo de sustar o decreto.
Segundo ele, além de inconstitucional, a medida assinada hoje levará ao aumento dos índices de violência e mergulhará o País no caos. “O Partido dos Trabalhadores é frontalmente contrário a esse decreto, porque ele extrapola o poder de regulamentar atribuído ao Poder Executivo, invadindo competências do Legislativo”, sustentou.
Detalhes do Decreto 9.685/2019
Pela nova redação, ao analisar a declaração de efetiva necessidade, a Polícia Federal deverá presumir “a veracidade dos fatos e das circunstâncias afirmadas”, ficando autorizada a negar o registro apenas se o interessado tiver vínculo com o crime organizado, mentir na declaração, substituir pessoa considerada inapta ou deixar de cumprir os demais requisitos previstos em lei.
Além da declaração de efetiva necessidade, a legislação prevê que o interessado na posse de arma de fogo precisa: ter mais de 25 anos, ocupação lícita e residência certa; apresentar documento de identificação pessoal; e comprovar bons antecedentes criminais, aptidão psicológica e capacidade técnica para o manuseio de arma de fogo.
O decreto assinado por Bolsonaro amplia o prazo de validade do registro da arma, de cinco anos para dez anos, e passa a exigir a existência de cofre ou local seguro para armazenamento da arma de fogo em casas onde vivam crianças, adolescentes ou pessoa com deficiência.
Conforme o decreto, cada brasileiro poderá adquirir até quatro armas de fogo em seu nome, desde que se encaixe em uma das situações abaixo:
– ser agente público (ativo ou inativo) da área de segurança pública, funcionário da Agência Brasileira de Inteligência (Abin), agente penitenciário, funcionário do sistema socioeducativo ou exercer atividade de polícia administrativa ou de correição;
– ser militar (ativo ou inativo);
– residir em área rural;
– residir em estados com índices anuais de mais de 10 homicídios por 100 mil habitantes (segundo dados do Atlas da Violência 2018 – que reúne dados de 2016).
– ser dono ou responsável legal de estabelecimentos comerciais ou industriais; e
– ser colecionador, atirador e caçador, devidamente registrados no Comando do Exército.
Fontes: Agência Câmara Notícias e Portal do STF
Foto: FOLHAPRESS