Da redação
A chamada autonomia do Banco Central do Brasil (Bacen) voltou a ser amplamente discutida após as críticas públicas feitas pelo presidente Luís Inácio Lula da Silva. O presidente criticou a alta taxa de juros brasileira, que está entre as maiores do mundo, e inclusive sinalizou com a possibilidade de reverter a política de autonomia até o término do mandato do presidente da autarquia, Roberto Campos Neto.
Originada do projeto do senador Plínio Valério (PSDB/AM) e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro (PL/RJ), a Lei Complementar 179/2021 reduziu a influência do governo federal na política monetária nacional, limitando o poder do presidente da República de exonerar livremente o presidente do banco regulador. A taxa de juros é uma das principais políticas monetárias do Bacen, com forte capacidade de impactar a economia brasileira, pois estabelece uma taxa referência de juros (a Selic), afetando o crédito e o próprio desenvolvimento econômico do país.
Plínio Valério repudiou as críticas do presidente Lula. Em vídeo publicado em suas redes sociais e repercutido na mídia nacional, Plinio chama de “malucas” as manifestações do presidente Lula. O senador diz que “a lei deu certo” e afirma que o governo pode estar “tramando exonerar o presidente do banco por incompetência, que é previsto pela lei”.
O senador se remeteu ao artigo 5º, inciso IV, parágrafo 1º, da LC 179/2021, se referindo a hipótese de exoneração do presidente e diretores do Bacen pelo presidente da República, mediante comprovado e recorrente desempenho insuficiente. “No caso de o presidente alegar incompetência, quem vai decidir sobre isso é o Conselho Monetário Nacional; e depois, vai vir pro Senado, pra que nós possamos referendar ou não. E nós não vamos referendar uma maluquice dessas”, afirmou Plínio Valério.
LC 179/2021
Art. 5º O Presidente e os Diretores do Banco Central do Brasil serão exonerados pelo Presidente da República:
IV – quando apresentarem comprovado e recorrente desempenho insuficiente para o alcance dos objetivos do Banco Central do Brasil.
§ 1º Na hipótese de que trata o inciso IV do caput deste artigo, compete ao Conselho Monetário Nacional submeter ao Presidente da República a proposta de exoneração, cujo aperfeiçoamento ficará condicionado à prévia aprovação, por maioria absoluta, do Senado Federal.
Outro lado
O líder do governo no Senado, Jaques Wagner, do PT da Bahia, no entanto, diz que o presidente Lula está externando uma opinião compartilhada por grande parte da população, a de que os juros estão altos, mas que vai respeitar o comando do Bacen, assim como o fez nos seus outros dois governos. “Ele tem mandato, não vai usurpar o mandato. Não vejo como atitude do presidente romper com a legalidade. Algumas coisas ele vai naquilo que é direito dele, vai tentar trabalhar pra mudar”, declarou à Agência Senado de Notícias.
Especialista critica “autonomia” e questiona competência do presidente
Um dos maiores especialistas em mercado financeiro do país, o economista Eduardo Moreira, contesta a autonomia do Banco Central do Brasil no que diz respeito à sua dependência não em relação ao poder político, mas sim à elite do poder econômico. Ele lembra que os últimos dez presidentes do Bacen têm como origem ou destino – ou ambos – o mercado financeiro, o que segundo ele demostra o comprometimento do banco regulador com os agentes do mercado que deveriam regular, apontando ainda a cumplicidade da grande mídia com os interesses estritos deste mercado.
Dos últimos dez presidentes, tirando o Tombini, todos ou vieram ou foram para o mercado financeiro. E a maioria veio e foi para o mercado financeiro. Que independência é essa?”, questiona Moreira.
Crítico do impacto social da elevada taxa de juros, o economista também critica a gestão atual do Banco Central ao analisar o relatório de inflação do Bacen de dezembro de 2020, que se demonstrou fictício ao estabelecer uma meta de inflação muito distante do que foi realizado na prática. A taxa de juros reais é o resultado da taxa de juros com o desconto da inflação para se ter o real impacto da taxa de juros nominal (taxa Selic) sobre o crédito, portanto, sobre empréstimos, investimentos, financiamentos etc.
Ele também é crítico da elevada taxa de juros reais brasileira, atualmente a maior do mundo, o que tem impacto negativo sobre o crédito e o próprio desenvolvimento econômico, como demonstra o estudo da Universidade do Vale do Paraíba-SP.
Quando se alisa o relatório de inflação do Banco Central em 2020, que é quando começaram as críticas ao presidente, a gente vê, por exemplo, que em dezembro de 2020, a gente já entendia tudo o que estava acontecendo por conta da pandemia no mundo. O que o (relatório do) Banco Central diz? A meta de inflação é de 3,75%, com teto de 1,5% para cima e piso 1,5% para baixo. Com probabilidade de ficar abaixo do piso de 19% e apenas 8% de chance de ficar acima. No ano de 2021, a inflação do Brasil foi a mais alta de todas as economias relevantes do mundo, e ficou mais que o dobro do teto da meta”, analisa Eduardo Moreira.
Confira o comentário do especialista:
Foto: Agência Senado
Edição: César Wanderley/Amazonas no Congresso
2 comentários
Banco Central tem de ter autonomia. Não se pode ter política dentro do mesmo.
Tem de ser técnico e comercial, para poder prover o melhor resultado.
Parabéns pela excelente matéria
Banco Central tem de ter autonomia. Não se pode ter política dentro do mesmo.
Política tem de ficar no espaço da mesma e não extrapolar as decisões técnicas.
Tem de ser técnico e comercial, para poder prover o melhor resultado.
Parabéns pela excelente matéria