O presidente da CPI da Pandemia, o senador Omar Aziz (PSD/AM), se comprometeu encaminhar ao relator da comissão, senador Renan Calheiros (MDB/AL), o dossiê sobre a disseminação da covid-19, que matou centenas de indígenas do Amazonas, da região amazônica e de todo o país. O dossiê foi entregue por lideranças amazonenses na terça, 19. Leia aqui.
No relatório lido nesta quarta, 20, Calheiros retirou as acusações relativas aos crimes de homicídio qualificado e genocídio contra indígenas. Mas disse que está disposto a receber sugestões para “alterar e melhorar” o texto até a votação. A votação está prevista para a próxima terça-feira, 26, quando também serão apresentados votos em separados de outros parlamentares.
Quando recebeu o dossiê, Omar Aziz disse que o importante é que foi criado na CPI uma subcomissão para acompanhar todas as investigações junto ao Ministério Público e cobrar das autoridades e instituições que as providências sugeridas sejam implementadas.
O relatório apresentado por Renan não agradou o senador Eduardo Braga (MDB/AM), membro da CPI. Ele discordou que não haja nenhuma autoridade do Amazonas incluído no parecer do relator. Disse que não admite que o relatório final não peça a punição de nenhum dos responsáveis pelo caos vivido no Amazonas durante a pandemia. Falou genericamente. Nada disse sobre a retirada do relatório dos crimes contra os indígenas.
“Nosso estado foi transformado em um verdadeiro campo de testes, com experimentos, com remédios ineficazes; falta de oxigênio, de leitos de internação e até de covas para enterrar os nossos conterrâneos. Nenhum estado sofreu tanto quanto o Amazonas. Não há nenhuma dúvida de que houve uma série de crimes e de criminosos que precisam ser punidos. Por isso, o Amazonas continua se sentindo injustiçado”, disse Braga. Ele apresentou um adendo ao voto do relator sobre o tema, pedindo punições de autoridades do Amazonas, inclusive o governador Wilson Lima.
Genocídio pode ficar fora do relatório final
Convidada a participar do ato de entrega do dossiê-covid, a coordenadora da Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Povos Indígenas, deputada Joenia Wapichana (Rede/RR), usou argumentos para convencer o presidente da CPI sobre o crime de genocídio cometido pelo presidente Jair Bolsonaro. Omar Aziz disse que a Comissão tem elementos técnicos para enquadrar o presidente da República como genocida.
“Existe uma pressão muito grande para tirar a configuração de genocídio do relatório da CPI, mas todas as informações claras, nesse sentido, foram encaminhadas à Comissão tanto pela Frente Parlamentar Indígena quando agora no dossiê da Frente Amazônia de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas. Agora, é aguardar as providências a serem tomadas. Eu espero que a CPI aja com coerência e todas as discussões acumuladas e documentos que receberam ajudem a configurar todos os crimes que Bolsonaro praticou”, declarou Joenia Wapichana.
O dossiê entregue ao presidente da CPI da Pandemia pela Frente Amazônia de Mobilização em Defesa dos Direitos Indígenas (FAMDDI) foi assinado também pels seguintes entidades:
Associação das Mulheres Indígenas do Rio Negro (AMARN)
Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas (ADUA)
Conselho Indigenista Missionário (Cimi Norte I)
Federação Kokama TWRK
Fórum de Mulheres Afro-Ameríndias e Caribenhas
Fórum de Educação Escolar e Saúde Indígena (Foreeia)
Movimento de Mulheres Solidárias do Amazonas (MUSAS)
Mandato Popular Deputado Federal José Ricardo
Rede de Mulheres Indígenas do Amazonas
Serviço de Ação, Reflexão e Educação Socioambiental na Amazônia (SARES)
Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado do Amazonas (SJP-AM)
Serviço e Cooperação com o Povo Yanomami (Secoya)E o deputado federal José Ricardo (PT/AM
A Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), demonstra que até maio de 2021, foram registrados 38.566 casos confirmados, 557 casos suspeitos e 932 falecimentos de indígenas pela Covid-19 na região amazônica, sendo que 316 dos óbitos, ou seja, um terço ocorreu no estado do Amazonas.
As entidades cobraram que a investigação envolva todos os agentes públicos que deram causa ao novo extermínio dos povos indígenas no Amazonas e em todo Brasil, além de exigir que sejam apuradas as responsabilidades e encaminhadas para os órgãos competentes, para responsabilização criminal e administrativa dos agentes, como ainda que o documento seja incluído no relatório final da CPI. Omar Aziz prometeu apurar os casos de covid-19 entre os indígenas do Amazonas e de todo o país.
Cimi pede providências
Para o secretário executivo do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), Antônio Eduardo Cerqueira de Oliveira, a questão indígena tem que constar no relatório final da CPI da Pandemia, principalmente pela falta de providências do governo federal e da intenção, a partir de uma política de desintegração dos povos indígenas, com a distribuição de medicamentos sem comprovação científica, (hidroxicloroquina, ivermequitina), que levaram a um processo de genocídio principalmente com relação à população de pouco contato.
“Por isso, achamos que precisa ser denunciado na CPI com ênfase na tentativa de genocídio dos povos indígenas do Brasil”, declarou Eduardo Oliveira.
Adua cita descaso do governo
Ao lembrar que o Amazonas é um estado que tem uma grande população indígena, que tem sofrido bastante com a pandemia de coronavírus, a presidenta da Adua (Associação dos Docentes da Universidade Federal do Amazonas), Ana Lúcia Gomes, destacou que esses povos deveriam receber um cuidado maior, considerando as condições com que se apresentam.
“Por isso, a questão indígena deveria ter esse cuidado especial, evitar pessoas acessarem essas localidades onde vivem porque as doenças para os indígenas têm um significado diferente do que para nós brancos. Então, é importante mostrar o quanto a nossa população indígena está sendo afetada não somente pela pandemia, mas pelo descaso desse governo. Estamos unidos tentar defender a população indígena do Amazonas e do Brasil”, disse a presidenta da Adua.
Mortes e dados alarmantes
O relatório da Famddi traz a situação do povo indígena ianomâmi, da região do rio Negro(AM), com mais de 23 mortes registradas por covid e outros 1,2 mil casos confirmados, devido a invasão de garimpeiros ilegais, a não testagem de todos os funcionários públicos que entram na área e um plano de contingência ineficiente, com graves falhas na sua elaboração.
Também trata do povo indígena juma, no município de Canutama(AM), onde, no dia 17 de fevereiro de 2021, faleceu Aruká, o último ancião desse povo, vítima da Covid-19. “Ele foi contaminado na própria aldeia, pois não foi feita ‘barreira sanitária’ para impedir a entrada do vírus”.
Outra denúncia diz respeito aos indígenas do Vale do Javari, onde existe a maior concentração de povos isolados no mundo, mas também de outros povos isolados no Brasil: ianomâmi, guajajara, ituna/itaitá, uru-eu-wau-wau, piripkura, pirititi e Ilha do Bananal.
Essas etnias sofrem com as constantes invasões nas suas terras, encorajadas pelo governo federal, sendo vítimas da propagação da covid, o que pode provocar o genocídio entre esses povos. “Os povos chamam a atenção para a falta de capacidade operacional das frentes de proteção da Funai, sem recursos humanos e materiais adequados para desempenhar de maneira eficiente a fiscalização e proteção, a integridade territorial e a segurança sanitária aos povos indígenas isolados”, diz o documento.
Manipulação de religiosos
No dossiê, constam ainda casos de interferências diretas de alguns missionários/religiosos fundamentalistas, que tentam fazer manipulação das mentes indígenas, deixando-os resistentes à vacinação, com a utilização de falsos argumentos. Como ainda a exclusão e o descaso do governo federal com indígenas residentes em áreas urbanas e terras indígenas não demarcadas, causando centenas de mortes, mortes em série de indígenas kokama pela covid-19, residentes no Alto Solimões, por falta de medidas de proteção e sem atenção dos governos. E concluem: “parece que somos só números, só estatística, contagem de mortos e de doentes”.
Papel da imprensa na divulgação dos dados
O diretor da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj) e do Sindicato dos Jornalistas do Estado do Amazonas (SJPAM), jornalista Antônio Paulo Santos, solidarizou-se com os povos indígenas, vítimas da covid-19, assim com os 663 mil brasileiros que perderam suas vidas por conta do vírus, incluindo os 169 jornalistas, sendo 19 no Amazonas. Também reiterou os pedidos de investigação, apuração dos casos e responsabilização dos responsáveis.
O jornalista destacou o papel da mídia brasileira na divulgação dos casos e descasos da covid-19 no país, citando o consórcio de veículos de comunicação que se uniu para divulgar os dados corretos da pandemia, ante às incorreções e negacionismos do Ministério da Saúde e de todo o governo federal.
Fontes: Agência Senado e Assessoria de Comunicação da Fenaj
Foto: Ariel Costa